quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Malthus tinha razão?

Não, não quero ressuscitar a tão fracassada teoria malthusiana. Mesmo porque meus professores socialistas detentores de toda racionalidade científica já espezinharam o suficiente em cima do finado Malthus. Porém me assusta o relatório da ONU que prevê inflação no preço dos alimentos. A matemática para isto é fácil: o aumento considerável de catástrofes ambientais em regiões produtoras de alimentos, o aumento do consumo de alimentos em países emergentes e a expansão demográfica. É tão simples que parece uma explicação superficial, mas não é.


Voltemos ao Malthus: quando ele publicou “Ensaios sobre o princípio da população” em 1798 a Inglaterra vivia sua primeira explosão demográfica pós-revolução industrial. Neste contexto houve uma grande inflação de alimentos que levou Malthus a entender que a produção agrícola crescia em proporções aritméticas enquanto a população humana se reproduzia em escala geométrica. Em fins do século XVIII a agricultura era rudimentar, a produção era baseada puramente em mão de obra, boa parte escrava. Gêneros alimentícios não eram lucrativos com raras exceções, como o açúcar (se é que açúcar em si é alimento). O regime alimentar também era outro, carne, por exemplo, era algo raro na maioria das mesas. Muitas terras da Inglaterra antes destinadas à lavoura comunal se tornaram pastagens para ovelhas produtoras de lã. O encarecimento dos alimentos fez com que o pastor Malthus defendesse uma política de controle populacional estimando a falta de alimentos. A expansão colonial do século XIX fez com que a Inglaterra obtivesse o controle de grande parte da Ásia e África e salvou os ingleses de uma grave crise alimentar, veja bem, salvou os ingleses, já que o continente africano ainda é o continente da fome no mundo.

Se a expansão colonial salvou a Europa da fome no século XIX o mesmo não se pode afirmar sobre o século XX. Violentada por duas guerras mundiais, a população europeia conheceu ciclos de fome e miséria. Reerguendo-se dos escombros, os Estados europeus desenvolveram políticas agrícolas planificadas, mesmo os mais liberais, como os ingleses. Este controle estatal do setor agrícola através de subsídios, incentivos econômicos e tecnológicos deu origem a “Revolução Verde” da década de 60. Esta revolução conheceu a profunda mecanização da agricultura, a utilização de defensivos e fertilizantes sintéticos, e o aprimoramento de sementes com o auxílio de genética. A agricultura antes entendida como vocação de países coloniais passou a ser foco da economia internacional, surgiram as expressões “agronegócio”, “mercado de futuros”, e o que antes era só alimento hoje é “commodities”. Surgem multinacionais do “agribusiness” especializadas não só em negociar e cotar internacionalmente os produtos agrícolas – afinal isto acontece desde o período colonial – mas também em melhorar a produção e até mesmo produzir em diversos países nos moldes das corporações industriais.

Toda esta revolução agrícola do século passado barateou os alimentos e trouxe uma profunda revolução alimentar para a população dos países ricos e emergentes, mas não acabou com a fome. Se falarmos de Brasil as alterações alimentares foram profundas. Se você perguntar a quem tem mais de sessenta anos como era a alimentação quando ele era criança certamente você ouvirá coisas do tipo: “Frango era comida de domingo”, “carne bovina se comia só em festa de Igreja ou casamento”, “dia de semana comíamos pirão com linguiça” e por aí vai. O acesso á um regime alimentar mais proteico aconteceu graças ao aumento da produção de gado e mesmo ao melhoramento genético dos rebanhos. A expansão dos “fast-foods” é outro emblema da revolução alimentar. Comida barata e abundante no Brasil não é somente uma conquista da estabilidade econômica e de programas de governo, é também uma profunda transformação no modo de produção agrícola. Resumindo: o melhoramento tecnológico na agricultura gerou uma “mais-valia” que fugiu da mão dos produtores para a mão dos consumidores. Alimento mais barato gerou um maior consumo e também um maior desperdício, sem falar nas epidemias de obesidade em países como os EUA e o Brasil.

Quando a ONU alerta para um inflação no preço dos alimentos, ela o faz baseada nas estimativas dos estoques de grãos dos países produtores. Em suma, o estoque de milho e soja estão muito baixos e isto fara estas duas “commodities” possivelmente subirem muito de preço este ano, consequentemente a carne estará mais cara e por fim o custo de vida também. Se combinarmos isto tudo a uma alta no preço do petróleo, teremos ainda um aumento no custo de produção o que significa uma diluição dos lucros do produtor rural. Concordo com os economistas que afirmam que o Brasil tem tudo para se sair muito bem desta situação, mas confesso que sou bastante cético à realização disto. Infelizmente a produção agrícola brasileira não é organizada como deveria e poderia ser. O Estado brasileiro não só é desorganizado com relação a agricultura brasileira como parece se beneficiar desta desorganização. Os pequenos e médios produtores não são preparados para encarar o livre mercado e a quase uma década plantar soja, milho, feijão, arroz é sempre um investimento de alto risco. A dívida agrícola segue em alta, tanto para custeio quanto para renegociação. O governo promete emprestar 100 bilhões de reais, um aumento de 8% em relação a safra passada. Enquanto o governo acredita que auxiliar o setor agrícola é simplesmente emprestar dinheiro, a má qualidade técnica empregada na produção e transporte consome grande parte do valor de nosso produto. Se não houver uma reorganização agrícola no país com incentivos para preservação ambiental e uso avançado de tecnologias de produção e transporte, o setor agrícola brasileiro ficará refém da especulação internacional e o que veremos não será apenas uma oportunidade de negócio passando, mas sim, um dos maiores produtores agrícolas do mundo vítima de uma onda inflacionária na produção de alimentos. Todos perderão e Malthus terá razão!

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