Ensaio sobre a Liberdade
Impossível dormir com a cabeça à mil...
O travesseiro tem me atormentado muito e não tem sido um bom
companheiro. Ele tem sido inclusive um ícone daquilo que sinto, meu travesseiro
é uma barreira, um limite, uma verdadeira muralha! Quando coloco a cabeça no
travesseiro me deparo como sou sóbrio ao dormir e como isto me atrapalha. Sim,
umas taças de vinho ou mesmo umas latinhas de cerveja me fariam esquecer as
muralhas da vida. Porém a sobriedade atual me faz enormes perguntas sobre o
sentido último de minha existência, e ao mesmo tempo me coloca em um vale
cercado de altas montanhas intransponíveis, ou pelo menos aparentemente
intransponíveis. Fico desejoso de respostas, mas por todo lado só vejo
perguntas.
Hoje me deparo com mais uma destas barreiras que teimam em
aparecer na minha vida. Nada demais, eu penso, pois já venci coisas muito
piores, mas a fadiga de lutar contra a mesmice não é algo desafiador. Bem,
antes de continuar a ler este texto vale uma ressalva: Não é um texto científico, não pretendo responder a nada, não serei
impessoal ao escrever e dane-se qualquer crítica a ele, não estou escrevendo
para que alguém leia e me elogie ou me ataque, estou escrevendo por que não
consigo dormir. Continuando...
Quando falo de barreiras, me refiro aos desafios, aos
impropérios que são naturais (acredito que sejam) em nossas vidas. Pois bem,
nem sempre tais eventos, fenômenos ou mesmo dilemas aparecem quando estamos
preparados, aliás, nunca estamos preparados. Sempre o que carregamos para
enfrentar os obstáculos da vida são as ferramentas que serviam para romper o
obstáculo anterior. Acreditamos como diria Hume, que os eventos se repetem e
que existe uma suposta causalidade entre eles, mas tudo isso é pura vaidade da
racionalidade humana. Eis aí algo que me incomoda: a vaidade em acreditar que
estamos preparados para romper ou superar os empecilhos que a vida nos impõe só
por que superamos, rompemos ou contornamos os anteriores.
No entanto, há sempre algo de novo e, portanto de desafiador
naquilo que hora enfrento. E aí é que reside o aprendizado e a liberdade.
Aprendizado que é fim em si, já que não o utilizarei no desafio futuro – disso já
sou consciente. Liberdade, pois em todos os antagonismos da vida, não há nada
mais dialético a uma barreira do que ela, a Liberdade. Proponho-me a falar
desta última, simplesmente porque eu quero falar dela, é meu livre ato de
escrever.
Não vou discutir os mais diversos e históricos conceitos de
liberdade, isto não é incumbência de pós-modernos enrustidos. A liberdade para
nós é um fato, um dado simbólico, uma marca de nosso tempo. Somos condenados à
ela, diria Sartre, e não consigo escolher não ser livre. Já que sou livre para
escrever, deixe-me dizer então que acredito na existência de Adão. Oh, se
assustou intruso leitor, avisei que não precisava ler! Sim, Adão é uma piada de
Deus. Deus em sua onisciência sabia tudo o que ia acontecer, sabia em que grau
chegaria a ciência humana e pensou, tenho que tirar uma onda deles. Vou
inventar uma estória para eles se divertirem o “resto da eternidade”. Por muito
tempo a estória não teve graça, ao pé da letra ela é até bonita, mas não
engraçada. Quando começamos a pensar que o homem não foi feito de barro e que a
criação demorou um pouco mais de sete dias é que a estória, deixou de ser
história e ficou boa, mas a humanidade trouxa ainda não entendeu a piada. Pois
bem, Adão não foi o primeiro humano, foi o primeiro homem livre. E foi livre,
pois queria ser igual a Deus, ele comeu da árvore da ciência. E para isso ele
decidiu, mesmo que aconselhado por Eva, ele decidiu ser igual à Deus. Ué, não
achou graça nisso?
O nosso pecado é também a única coisa que faz sentido em
nossa existência, a liberdade. Eis a condenação, sermos livres. E com tudo isso
Sartre ainda era ateu. Sorte dele que via a existência como uma náusea. Se eu for
livre posso fazer tudo o que quero, eis minha grande barreira. Volto ao começo
deste texto, quando falava dos obstáculos. A mesmice é fazer as mesmas
escolhas. Eu escolher viver diariamente e isso já uma mesmice. Tudo aquilo que
me inquieta, que me arranca da cama para escrever um texto a uma hora da
madrugada acontece por que sou livre. As barreiras que se sobrepõe a minha
frente, as perguntas que me atormentam, tudo isso é o meu exercício de
liberdade, é para provar que nada pode me acorrentar e que mesmo na rotina
diária, pesada, fatigante mostra também o quanto sou livre e dono de mim mesmo.
Boa noite.
Muito bom!
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